Algumas questões concernentes ao desenvolvimento da Zona Soviética do Oeste de Hunan-Hubei

Zhou Enlai

17 de março de 1929


Origem: carta redigida em nome do Comitê Central do PCCh com instruções direcionadas ao camarada He Long e ao Comitê da Frente da Zona Soviética(1) do Oeste de Hunan-Hubei.

Fonte: Obras Escogidas de Zhou Enlai, tomo I, Beijing: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1981. pp. 23–28.

Tradução: João Victor Bastos Batalha.

HTML: Lucas Schweppenstette.

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No final do ano passado, com a chegada do camarada Lu Dongsheng(2), recebemos seu relatório. Estudamo-lo prontamente e lhe enviamos uma carta de resposta, na qual informamos, entre outros pontos, sobre a linha política geral do Partido, conforme delineada nas resoluções do VI Congresso Nacional(3), a situação atual da revolução e as principais tarefas da guerra de guerrilha. O camarada Dongsheng foi o portador dessa carta, que presumimos já ter chegado às suas mãos.

Por meio da carta que nos enviou em 17 de janeiro, tomamos conhecimento de que os senhores, sem se deixarem intimidar pelas adversidades, suportando fome e frio, conduziram camaradas e soldados em uma heroica luta armada, mobilizaram amplamente as massas populares, apreenderam grandes quantidades de armamento inimigo e eliminaram diversos contingentes da milícia reacionária. O senhor agiu com plena razão ao empreender tais ações.

Em resposta à sua carta, o Comitê Central transmite as seguintes instruções:

1) Insurreição. Trata-se de uma ação direta das massas no auge da luta revolucionária, cujo objetivo é derrubar as classes reacionárias pela força das armas e tomar o poder político. No momento, não há, em nível nacional, uma situação pré-revolucionária imediata, razão pela qual a tomada do poder pelos operários, camponeses, soldados e indigentes urbanos por meio de insurreições armadas ainda se mantém como um slogan de propaganda. No que se refere às lutas no campo, não podemos, evidentemente, descartar a possibilidade de que, como já ocorreu em alguns casos, as lutas reivindicatórias cotidianas evoluam para confrontos armados ou mesmo insurreições destinadas a derrubar o domínio dos déspotas locais e dos perversos shenshi, estabelecendo o poder soviético rural. Apesar do fracasso dos sovietes em Haifeng-Lufeng, Qiongya, Wan’an, Huang’an, Liling e outras regiões(4), o avanço e aprofundamento da revolução agrária(5) no campo fazem com que os camponeses passem das lutas reivindicatórias para insurreições armadas. Por isso, em vez de conter a ação insurrecional dos camponeses, devemos empenhar-nos ao máximo para liderar suas revoltas espontâneas, auxiliando-os a expandir sua luta armada, para que se tornem cada vez mais conscientes da necessidade de derrubar o domínio dos déspotas locais e dos perversos shenshi e estabelecer sovietes rurais, almejando com fervor esse objetivo. É essencial garantir que essas lutas sejam gradualmente coordenadas com as atividades urbanas e orientadas a partir das cidades. Somente esse tipo insurreição camponesa, autêntica criação das massas, poderá sustentar-se por longo tempo, mobilizar um número crescente de pessoas, conquistar seu apoio e viabilizar o estabelecimento do poder soviético por meio da ação direta das massas.

No que tange às lutas de massa sob sua liderança, caso os déspotas e latifundiários que dominam as áreas rurais ainda não tenham sido abalados e sigam sem dar sinais de pânico, caso ainda disponham de uma poderosa força armada para reprimi-los, caso as massas ainda não tenham chegado ao ponto de exigir o confisco das terras dos latifundiários e limitem-se a reivindicar pequenas melhorias em sua vida cotidiana, caso ainda não se levantem contra a usura, os aluguéis exorbitantes e os impostos sobre os grãos, e caso a mobilização das massas ainda não tenha alcançado uma amplitude significativa, então tais lutas, ainda que assumam a forma de conflitos armados, permanecerão no âmbito da guerra de guerrilha e não poderão ser consideradas uma insurreição armada voltada ao estabelecimento de um regime rural camponês. Os senhores devem ser capazes de distinguir claramente essa diferença.

2) Guerra de guerrilha. Com base nos acontecimentos das batalhas de Jianshi e Hefeng(6), fica evidente que os senhores agiram corretamente ao mobilizar as massas, reprimir os déspotas e os shenshi perversos, bem como ao desarmar a milícia e a polícia reacionárias. Todas essas ações estão em plena conformidade com os princípios da guerra de guerrilha. No entanto, essa forma de combate exige, acima de tudo, uma organização rigorosa e uma ligação estreita com as massas. Nas experiências passadas, observou-se em diversas regiões o surgimento de tendências prejudiciais, que podem facilmente se repetir, exigindo, portanto, nossa atenção. A primeira é a tendência de se divorciar das massas, deixando-as alheias ao fato de que a guerra de guerrilha tem como propósito mobilizá-las para a revolução agrária. A segunda é a propensão à destruição indiscriminada das cidades e à prática de incêndios, saques e assassinatos. Trata-se de um reflexo da mentalidade lumpemproletária, que não apenas impede a expansão da influência do Partido entre as massas, mas também o afasta dos próprios operários. Devemos envidar todos os esforços para erradicar essa mentalidade dentro do Partido. Naturalmente, cabe ao Partido liderar ativamente a luta camponesa contra os latifundiários e déspotas locais, além de enfraquecer as forças contrarrevolucionárias. A terceira tendência é a frouxidão organizativa. Quanto às principais tarefas da guerra de guerrilha, que consistem em implementar as palavras de ordem da luta camponesa, desgastar o poder dos reacionários e formar unidades do Exército Vermelho, os senhores evidentemente as compreendem e vêm aplicando. No que se refere ao confisco de terras, o VI Congresso Nacional alterou o slogan de confiscar todas as terras para o de confiscar exclusivamente as terras dos latifundiários, redistribuindo-as entre os camponeses. Os senhores devem observar essa diretriz e aplicá-la em seu trabalho.

3) Organizações do Partido e de massa nas áreas de guerrilha. Em todas as regiões alcançadas por nossas forças guerrilheiras, é imperativo desenvolver as organizações do Partido, ampliar as organizações de massa, promover e apoiar sua luta e expandir nossa propaganda. Porém, em meio a uma atmosfera revolucionária efervescente, é comum que se caia no erro de tornar públicas todas as nossas organizações, negligenciando a necessidade de manter algumas delas na clandestinidade. Por isso, basta que os guerrilheiros se retirem para que essas organizações desmoronem de imediato, e, em alguns casos, todos os revolucionários entre as massas sejam aniquilados pelo terror branco imposto pelas tropas reacionárias em sua “limpeza do campo”. É como se estivéssemos, inadvertidamente, denunciando a nós mesmo. No passado, esse erro foi cometido em diversas regiões onde se travou a guerra de guerrilha, e os senhores devem, portanto, estar especialmente atentos para evitá-lo. Aonde quer que avancem, os guerrilheiros devem alertar os órgãos locais do Partido e as organizações revolucionárias de massa para que resguardem suas atividades na clandestinidade e estejam preparados para continuar a luta mesmo sob a repressão do terror branco.

4) Organizações do Partido e a formação de seus militantes nas forças guerrilheiras. Sempre que considerarem conveniente para seu trabalho, não há objeção à criação de uma célula do Partido subordinada ao Comitê da Frente, encarregada da organização partidária em todo o exército. Entre as tropas comandadas por Zhu De e Mao Zedong, o Partido estrutura-se a partir do nível da companhia, com uma célula em cada unidade, subdividida em grupos menores e subordinada a comitês regimentais e de batalhão. Com essa organização presente em cada companhia, o Partido assegura sua orientação e apoio tanto em tempos de paz quanto no campo de batalha. Segundo relatos de combatentes oriundos dessas unidades, essa forma de organização tem se mostrado positiva. Essa experiência pode servir como referência para os senhores ao estabelecerem organizações partidárias nas unidades sob seu comando. Outro ponto que exige atenção é a necessidade de manter em sigilo as organizações do Partido dentro do Exército Vermelho. No que se refere à formação dos militantes, seu objetivo é fortalecer a disciplina do exército, sendo que a disciplina partidária também contribui para assegurar o cumprimento rigoroso da disciplina militar. Naturalmente, o treinamento no Exército Vermelho não pode ser conduzido da mesma forma que nas tropas dos senhores da guerra, onde a disciplina é imposta de forma mecânica e coercitiva. Pelo contrário, deve ser realizado sob a influência exemplar dos membros do Partido e com o apoio de todos os soldados. Por essa razão, a formação partidária deve ser, acima de tudo, educativa, buscando elevar a consciência política de seus membros. Os camaradas mais esclarecidos devem auxiliar aqueles com menor compreensão, de modo que todos possam observar a disciplina de maneira consciente. Para tanto, o Partido deve recorrer a teorias acessíveis e exemplos concretos para fortalecer a consciência de classe e o entusiasmo revolucionário, garantindo que não apenas sigam estritamente a disciplina militar, mas também sirvam de modelo para os demais soldados. Em relação ao caso de Yang Weifan(7), conforme relatado pelos senhores, este cometeu diversos erros e sua expulsão do Partido foi uma decisão acertada. No entanto, daqui em diante, no treinamento dos camaradas, deve-se dar atenção especial à educação.

5) Situação política atual e perspectivas da luta. Atualmente, os conflitos internos entre as diversas facções das classes dominantes reacionárias se acirram rapidamente e estão à beira de explodir em um conflito entre senhores da guerra. O Comitê Central emitiu duas circulares políticas(8) detalhando a conjuntura atual e as táticas correspondentes, cujas cópias seguem anexas. Assim, não nos deteremos nesse ponto aqui. Embora o cenário político ofereça uma oportunidade promissora para a expansão das operações, ainda há grande dificuldade para se alcançar um crescimento considerável, dada a fragilidade de suas forças no momento e a pouca solidez das organizações partidárias e de massa nas regiões ocidentais de Hunan e Hubei. Em sua carta, os senhores mencionam o plano de estender a ação do Exército Vermelho até o curso inferior do rio, tendo como possíveis destinos Changde, no oeste de Hunan, ou Yichang, no oeste de Hubei. Tal plano é demasiado ambicioso e impraticável. Neste momento, a prioridade não deve ser a captura das grandes cidades, mas sim a mobilização das massas camponesas para aprofundar a revolução agrária. A tarefa principal, por ora, ainda consiste em ampliar as áreas de guerrilha e engajar parcelas cada vez maiores da população. Não se deve tentar o que está além de suas forças (é especialmente importante ter em mente a força das massas, e não apenas o poderio militar) ao buscar tomar cidades industriais e comerciais estratégicas.

6) Áreas de expansão. Como não temos plena clareza sobre as condições concretas nas regiões ocidentais de Hunan e Hubei, não podemos indicar com precisão em quais áreas os senhores devem conduzir suas operações. Em termos gerais, os locais mais favoráveis ao desenvolvimento da guerra de guerrilha são aqueles onde as contradições e as lutas de classe no campo se manifestam com maior intensidade, onde o Partido e as organizações de massa tenham uma base sólida, onde os suprimentos são abundantes e o terreno é acidentado. No entanto, como é raro que um único local reúna todos essas condições, é essencial que analisem cada caso à luz das circunstâncias concretas e selecionem as áreas que apresentem o maior número possível de fatores favoráveis.

7) Envio de pessoal militar. Considerando que os senhores dispõem de poucos quadros militares qualificados, há tempos planejamos enviar-lhes um contingente significativo de camaradas experientes no trabalho militar. Entretanto, devido às dificuldades de deslocamento e à constante mobilidade de suas forças, ainda não conseguimos concretizar esse envio. Naturalmente, assim que as circunstâncias permitirem, procederemos sem demora.